Estação CP – Macedo de Cavaleiros – 9 de Março de 1975
Antes de entrar no assunto que pretendo suscitar, e a que dedicarei breve reflexão, peço, a quem possa ler mais do que o título, que não precipitem conclusões do tipo: cá está um contra a barragem no rio Sabor ou cá está outro a favor da mesma.
Não tenho formação nem informação suficientes sobre impactos e compromissos envolvidos numa intervenção com a envergadura da construção de uma grande barragem e do desaparecimento de um grande rio. Assim, não posso ter uma opinião a favor ou contra, nem posso aqui deixar-me tentar pela intuição. Sei bem que, em regra, como Portugueses temos facilidade em emitir opiniões, achando isto e aquilo, sobre tudo e sobre nada, independentemente do conhecimento da realidade dos factos; mesmo quando, em razão da profissão ou função social, se está obrigado a alguma cientificidade de método na formulação de opinião. Aqui, não quero, nem posso, seguir essa regra.
Estamos perante um assunto que não se presta a maniqueísmos fáceis. É de importância máxima. Não se pode perder, irreversivelmente, uma grande riqueza comum e única, sem a certeza de um balanço positivo na prosperidade da região. Posto isto, a conclusão que, a propósito, se pode tirar da autoria deste texto é esta: cá está outro a quem estas coisas inquietam. Nada mais!
Há mais de vinte anos, a troco da promessa de um IP4 modernizador e desenvolvimentista e sob pérfidas justificações de rentabilidade e eficiência, permitimos o desmantelamento da via-férrea. Uma região com duas alternativas de transporte, apenas duas, caiu num embuste, deixando perder uma. Ou seja: o que já era pouco e mau, resultando disso atraso e pobreza em comparação com outras regiões, passou a ser menos; em vez de reclamarmos mais alternativas ou exigirmos a modernização das acessibilidades existentes, aceitamos pacífica e lealmente ficar pior. Com a morte da nossa via-férrea, perdemos uma alternativa de transporte com futuro e perdemos a memória do esforço daqueles que a fizeram cá chegar, num tempo em que a distância e os meios disponíveis a tornavam impossível.
A quantidade e a qualidade das alternativas de transporte revelam e potenciam a prosperidade e a capacidade competitiva de uma região. A falta de qualidade e de alternativas de acessibilidade revelam pobreza e bloqueiam o alcance de riqueza. O resultado do fecho da via-férrea foi, claro está, o contrário do esperado: não tivemos o IP4 com a qualidade e no tempo prometido; alargamos, em vez de encurtar, o fosso que nos separa das regiões mais ricas; em vez do afirmado empurrão para a frente, sofremos um violento empurrão para trás. Crédulos nas promessas do poder central, com a retirada do comboio trocamos: avanço por recuo, mais por menos, riqueza por pobreza, independência por dependência, competitividade por derrota, liberdade por restrições, certezas por enganos, verdade por mentira, esperança por desespero e lealdade por traição.
O resultado, trágico para a região, do balanço da perda do comboio exige uma realidade diferente com a construção da barragem no rio Sabor. Os nossos representantes locais não se deixariam enganar duas vezes e terão, com certeza, assegurado, pela perda do rio Sabor, o alcance da prosperidade pela região.
O rio Sabor é uma história com milhões de anos e uma riqueza natural e humana imensa e única. De incalculável biodiversidade presente no seu vivo leito e caprichosas margens; inesperados estreitos e monumentais escarpas; calorosas encostas, onde a rola canta e se cruzam, sem drama, os caminhos do homem e do lobo. A construção da barragem é a bomba atómica sobre esta riqueza. Basta imaginar o momento em que toda aquela infinita diversidade se transforma em terra deserta, expectante do mergulho no lago que apagará o rio.
Só a absoluta garantia de prosperidade para a região, justifica a perda do rio Sabor. Por ser irreversível, perder um rio como este não pode ser por nada ou por pouco. O balanço a fazer no futuro, que se exige próximo, da troca de um grande rio pela construção de uma grande barragem não pode ter como resultado, sob pena de intranquilidade social, o balanço da troca do comboio pelo IP4.
Adelino José Rosa Rodrigues, Arq.