A matriz genética potenciadora da capacidade de um pequeno aglomerado como o de «Maçaedo» produzir tecido urbano capaz de atingir a dimensão de cidade, aconteceu quando o cruzamento de dois caminhos fez coincidir o cruzamento das actuais EN216 e EN102. Este feliz cruzamento com a geografia do lugar constituiu o potencial necessário à formação de uma cidade carismática. A força e a capacidade estruturante desta matriz, à qual se juntou, em 1906, a via-férrea, promoveram e asseguraram, durante décadas, a expansão ordenada e coerente do tecido urbano de Macedo de Cavaleiros.
A circunstância da construção do novo edifício dos Paços do Concelho, ocorrida nos anos 40 do século passado, em pleno Estado Novo, provoca na cidade a primeira grande intervenção marcada de forte convicção urbanística e com capacidade de influenciar a sua forma, até então resultante, apenas, da força da sua matriz genética. O novo edifício dos Paços do Concelho, com a forma e o peso simbólico do seu contexto ideológico, impôs um enquadramento urbano disciplinado, capaz de projectar a sua monumentalidade e presença. Daqui resultou ampla praça, hoje Jardim 1.º de Maio, que assinala, inequivocamente, o centro da cidade. Praça, cuja clareza formal e funcional tem vindo a ser posta em causa pelas posteriores e sucessivas intervenções, já desligadas de qualquer ideia consistente de cidade. Destas intervenções temos que destacar, pela gravidade das suas consequências, a construção, no seu lado Sul, de uma frente edificada contínua, de excessiva volumetria, estranguladora da ligação ao vale da Ribeira e que retira a Serra do horizonte visual.
A segunda intervenção, reveladora de um pensamento estruturado para a cidade, apareceu logo a seguir, nos anos 50, quando o Senhor Padre Manuel Faria aproximou a estação da via-férrea ao novo espaço central, rasgando a primeira grande via urbana no tecido de Macedo, hoje avenida D. Nuno Álvares Pereira.
Em 25 de Novembro de 1998, com entrada em vigor do Plano de Urbanização de Macedo de Cavaleiros, quarenta e três anos depois da abertura da Avenida D. Nuno Álvares Pereira, acreditamos estar em presença, de um novo impulso estruturante da cidade. Enganamo-nos. Apesar da aparente audácia revelada com o seu lançamento, que se pretendia o projecto de cidade, o Plano de Urbanização fracassou.
Resultante de proposta fundamental do Plano Director Municipal e da reconhecida necessidade de afirmação da sede do Concelho, do Plano de Urbanização esperava-se a promoção do crescimento e desenvolvimento estruturado da cidade, em alternativa ao crescimento resultante de impulsos e solavancos casuísticos que vinham rompendo e devorando o tecido urbano central e os respectivos valores patrimoniais, gerados pela matriz estruturante original e pelas intervenções dos anos 40 e 50 do século passado. A cidade estava a ser devastada por violentas erupções construtivas, desagregando tecidos urbanos consolidados e desfigurando a imagem já construída. Este caminho de destruição e apagamento do passado, ainda que de um passado recente, conduzia ao apagamento do futuro. O Plano de Urbanização representava a esperança numa nova vontade, mas ao seu lançamento não correspondeu, afinal, uma vontade convicta ao serviço de uma ideia de cidade estruturada.
Como instrumento de desenvolvimento estruturado da cidade e base de gestão programada do seu território, o Plano de Urbanização obriga e responsabiliza o município, obriga e envolve os cidadãos em geral. A materialização dos seus objectivos, através da definição da estrutura urbana, estabelecimento dos regimes de uso e fixação dos critérios gerais de transformação do território, provoca fortes restrições ao direito de propriedade, que os cidadãos acolhem em nome dos resultados positivos esperados das intervenções estruturantes: mais desenvolvimento económico; mais qualidade ambiental e urbana; mais valorização patrimonial; melhores equipamentos, serviços e infra-estruturas gerais; maior prestígio social; cidade mais competitiva e atractiva. Decorridos doze anos sobre a entrada em vigor do Plano de Urbanização, apenas ficaram as restrições e obrigações aplicáveis aos cidadãos. Nenhuma das propostas estruturantes, obrigações do município, foi cumprida. Dessas propostas destaco a rede viária primária, da qual não foi realizado qualquer troço.
A rede viária primária do Plano de Urbanização, erradamente apelidada de «variante», revela-se fundamental para atrair o prolongamento das vias que irradiam de áreas urbanas centrais com potencial estruturante, como por exemplo: a avenida Infante D. Henrique; a rua do Mercado; a rua Fernão Lopes; a rua Fernando Pessoa; a rua Eng. Moura Pegado. A cidade não precisa de «variantes», precisa de vias estruturantes do crescimento do seu tecido urbano. Variantes já existem e são óptimas: o IP2 e o IP4. A ausência do avanço estruturante, prometido nas propostas do Plano de Urbanização, continua a provocar a explosão do crescimento urbano sobre os tecidos consolidados, com a demolição de edificações existentes – muitas de valor patrimonial relevante, outras de interesse na formação de conjuntos urbanas coerentes – para construção de novas edificações, cuja escala rompe essa coerência formal e volumétrica. Esta pressão explosiva tem hoje o seu mais notório impacto ao longo da Avenida D. Nuno Alvares Pereira, onde já se perderam ícones da imagem da cidade, como a moagem e o celeiro.
Suposto como alavanca, um Plano de Urbanização, «congelado» desde o seu nascimento, estático perante a dinâmica da realidade, negando a oportunidade das suas propostas estruturantes, e do qual apenas prevalece a ditadura das restrições impostas aos cidadãos, constitui, hoje, um portentoso freio às aspirações da cidade desejada.
Urge relançar o Projecto da Cidade seguindo o exemplo de convicção do Senhor Padre Manuel Faria. Claro que, muito do fundamental para a qualidade e imagem da cidade, em que todos se revejam, já não tem retorno. O que existe, para testemunhar os momentos mais relevantes da evolução da cidade que gostaríamos de ter, não passa de fragmentos desconexos e despojados do contexto do seu espaço e tempo urbano. Mantém-se a geografia e a força da matriz genética que podem possibilitar a retoma da relação de pertença entre os cidadãos e a cidade com a sua história com o seu presente e com o seu futuro.
Actuemos como o fez o Senhor Padre Manuel Faria, que as intervenções sirvam uma ideia clara de cidade. Todos, uns mais intuitivamente, outros mais racionalmente, se identificam com uma cidade que conserve a sua identidade, preserve o seu património mais relevante, que respire a sua fantástica geografia. Cidade onde se viva e sinta a presença da Serra, onde se viva e sinta a proximidade da Albufeira do Azibo. O senhor Padre Manuel Faria, hoje, aproximaria a cidade da Serra, salvaguardando e enfatizando a continuidade territorial do centro pelo vale da ribeira; o senhor Padre Manuel Faria, hoje, aproximaria a Albufeira do Azibo com a mesma convicção com que aproximou a estação da via-férrea ao centro da cidade.
Uma cidade faz-se de grandes desígnios, alcançáveis através de intervenções estruturantes e mobilizadoras. Uma cidade não se faz destruindo o tecido urbano e o património da sua história, nem se faz de tentações facilitistas de cosmética urbana.
Adelino José Rosa Rodrigues, Arq.