A certeza dos recursos finitos demonstra que a crise, a verdadeira, é um estado permanente e não circunstancial ou transitório e que crise é o nosso tempo. Estamos obrigados a mudar a forma de ver e decidir sobre o que dispomos e sobre o que podemos e devemos fazer e ter. Decisões tomadas na base do sim porque sim ou não porque não ou tanto faz assim ou assado foi um luxo que perdemos. Como acabou o luxo de querermos o que parece ser em vez do que é. Estamos obrigados a actuar com base em argumentos que sirvam, simultaneamente, interesses individuais e valores colectivos.
É agora mais nítido para todos que quantidade não é qualidade e que, afinal, a qualidade está na pouca quantidade. Por muito que ainda custe aos excessos de ego, é cada vez mais difícil esconder que sofisticado é o simples e que a impostura não tem valor estético, pois a estética é um valor da ética. Sem ética não há estética.
Para as perspectivas que aqui importa expor, e só interessam as que partem de pontos com ângulos abertos à defesa e valorização do nosso ADN colectivo, o melhor do mal da crise pode estar na mudança da forma de ver e de dispor do nosso legado patrimonial e cultural. Cresce em cada um de nós e em todos, o reconhecimento da importância decisiva da defesa dos valores do nosso património e dos ensinamentos do saber fazer, daqueles a quem devemos a herança, noutros tempos de escassez. O melhor da nossa herança patrimonial fez-se em convergência com os processos de equilíbrio e renovação da natureza. Sem planos ou regulamentos formais e sem rasto de carbono, mas com sábia utilização dos solos, escolha de materiais e sensibilidade estética, foram possíveis realizações que hoje nos inspiram e afirmam.
A responsabilidade do dever de assegurar aos nossos filhos e netos a possibilidade de disporem, como nós dispomos hoje, dos valores e ensinamentos herdados dos nossos pais e avós, não pode esperar pelos planos e pelo poder das organizações políticas. O poder e os planos dessas organizações assentam em lógicas de quatro anos, a defesa da identidade e afirmação de uma comunidade é um projecto de gerações. O poder dessas organizações é, em regra, conquistado e exercido sem compromissos com resultados em favor do interesse geral; os seus planos, quando existem, notabilizam-se mais pelo que impedem do que pelo que incrementam. A defesa do que nos identifica e do que nos interessa como comunidade terá, pois, que partir de cada um de nós e da nossa vontade colectiva. Essa defesa está no novo ver que conheça e reconheça o que temos e o que somos. Conhecer e reconhecer significa distinguir o que é do que parece ser. O que hoje podemos fazer não é moderno ou clássico, futurista ou revivalista com tiques formais cabotinos e contraditórios nos princípios. Tem sido em nome de falsos conceitos do que é moderno ou clássico, futurista ou revivalista que se tem desvalorizado e destruído muita riqueza patrimonial, substituindo valores por vazio de valor.
O tempo da Redução, Reciclagem, e Reutilização é, simplesmente, o tempo da Responsabilidade de todos pelo nosso melhor colectivo e do Reconhecimento das interdependências natural e cultural, local e global. Se da escassez resultar melhor forma de agir com o nosso bom património disponível e encontremos o equilíbrio certo entre o dever de o preservar e a obrigação de o reutilizar, devolvendo-lhe actualidade, deveremos à crise a sua sobrevivência e o nosso fortalecimento.
Adelino José Rosa Rodrigues