Quando numa apresentação, em 1985, disse de onde vinha, ouvi o seguinte: Macedo de Cavaleiros uma cidade de praças! Não corrigi, claro está, que Macedo não era, naquela data, cidade, nem esse tipo de detalhe interessava ao contexto. Senti, sim senti, uma agradável boa disposição por chegar de uma terra distante e pequena com algo memorável na leitura de quem sabe ler cidades, percebendo em Macedo um carácter de cidade que, administrativamente, ainda não era.
O que hoje pode ler-se, nitidamente, no tecido urbano de Macedo, sobre a história de amor à cidade pode resumir-se deste modo: até 1960 Macedo foi amada pelos seus habitantes; de 1960 a 1980 foi amada pelos visitantes; de 1980 para cá deixou de ser amada.
O desenvolvimento da cidade com rejeição da sua matriz urbana, relação com a geomorfologia do seu território e horizontes visuais, sem uma matriz alternativa clara e coerente, conduziu ao desligamento dos habitantes da imagem da sua cidade. O Macedense deixou de ver na cidade motivos de singularidade e de identificação com ela por sentir perder-se a continuidade e a consolidação das referências de identidade da sua imagem.
Habitantes e cidade tardam no reacerto do passo. Os habitantes esperam da cidade o que a cidade não lhes dá; a cidade espera dos seus habitantes o que estes não lhes têm dado. A cidade devolve o que os seus habitantes lhe souberem dar. Uma cidade qualificada valoriza tudo o que dela faz parte.
Uma cidade qualificada atrai. Uma cidade só atrai se lhe corresponder uma imagem forte própria e memorável, que apenas pode resultar do seu bom design e da sua matriz urbana singular.
Não há outro caminhar. A cidade precisa, de uma vez por todas, de assumir a vocação centrípeta dos seus espaços matriciais, reforçar a sua clareza e trilhar caminhos de futuro através do aprofundamento dessa matriz e da relação com os horizontes da sua paisagem, retirando disso a qualidade e a força cinestética da sua imagem.
Apostas na sobreposição à matriz identitária de propostas baseadas em desenho neutro de significação, com soluções mais expectáveis em áreas periféricas, não têm resultado e continuarão a falhar, enquanto tais apostas continuarem ostensivamente contrárias à força matricial da cidade, independentemente de se apresentarem mais ou menos novo-ricas, mais ou menos despesistas, com mais ou menos omissões ou excessos supérfluos.
Uma matriz urbana plena de coerência com a generosidade da sua geomorfologia, toda ela vocacionada para a centripetização da sua fantástica rede articulada em continuidade de espaços centrais, tem vindo a perder força e clareza, em resultado da centrifugação provocada pela prevalecente rodoviarização, obstaculização e excessivas segregações funcionais.
O acentuar da função de corredor rodoviário e a obstaculização por barreiras, socalcos e protuberâncias escusadas, provoca desordem nas funções e clareza da imagem dos espaços fundamentais de destino e encontro da cidade, retira-lhe qualidade como espaços centrais e não funcionam bem com corredores rodoviários. Tal como aconteceria, reduzido a escala do modelo, se transformássemos as salas de estar das nossas casas em corredores de distribuição. A sala perderia as qualidades de espaço estável, de tranquilidade e de encontro de toda a família e de visitas e, com certeza, não funcionaria bem como corredor por falta de clareza orientadora.
O apagamento dos lugares centrais deixa a cidade sem pontos focais, estratégicos e de referência. Uma cidade sem pontos de referência fortes é uma cidade com uma imagem frágil, monótona, confusa e descaracterizada. Uma cidade sem sucesso visual afasta os seus habitantes. O cidadão identifica-se com a sua cidade se esta tiver sucesso visual. A qualidade do ambiente visual torna-se uma parte integrante da vida de cada um dos seus habitantes, pois esse sucesso sente-se e vive-se no dia-a-dia.
Os pontos focais da cidade requerem uma atenção especial e intervenções, servidas de estudo e erudição de qualidade proporcional à sua importância, que os tornem notáveis, memoráveis, originais e diferenciadores.
Numa cidade que se exige inclusiva e acessível a todos, competitiva e atractiva, é cada vez mais importante a qualidade da enformação dos seus espaços públicos e lugares de referência. Uma cidade qualificada requer o cidadão no topo das preponderâncias dos seus lugares centrais, relegando o automóvel para outros planos de compatibilização e importância. As cidades não podem descuidar as necessidades de acessibilidade aos habitantes condicionados na sua mobilidade, mas, no essencial do urbanismo praticado, continua a prevalecer a continuidade ininterrupta da rodovia e a interrupção do percurso pedonal. Dito de outra forma: é o percurso pedonal que cede e desce à rodovia, não é a rodovia que cede e sobe ao percurso pedonal. Ou seja, as prevalências continuam subvertidas, a prática não segue a boa teoria.
Sente-se a falta de uma revolução na cidade. Uma revolução em nome de uma cidade com uma imagem forte e própria. Precisamos do valor da qualidade cinestética da cidade e de lhe dar mais importância, integrando-a nas nossas preocupações mais elevadas, porque dela depende muito da nossa qualidade de vida. Sentimos a falta de algo grandioso para a cidade, que nos ligue definitivamente a ela, que nos faça sentir bem, pertencer-lhe e que nos identifiquemos com ela. Macedo deve ser para os Macedenses o que Florença é para os Florentinos.
A cidade não pode abandonar-se a uma gestão meramente quantitativa e tecno-burocrata. A cidade tem que afirmar-se através dos valores da sua matriz urbana essencial. A nossa cidade deve ser a nossa maior referência colectiva.
Adelino José Rosa Rodrigues