Uma cidade prospera se for competitiva nos seus conteúdos urbanos. Uma empresa compete pela conquista de clientes, uma cidade compete para seduzir, atrair e motivar cidadãos. Uma empresa é conhecida e subsiste pela qualidade dos seus produtos, uma cidade afirma-se, desenvolve-se e perdura pela excelência dos seus conteúdos urbanos. Para além dos cidadãos, os conteúdos da cidade são a sua história e valores culturais, a qualidade da sua imagem e os serviços que presta. Uma empresa mal gerida, com maus serviços ou produtos pode falir; uma cidade sem desígnios e sem conteúdos urbanos fortes fracassa como cidade. Como parte da cidade os cidadãos são, simultaneamente, promotores e clientes dos conteúdos da cidade. Como a qualidade do prestador prestigia o cliente e a qualidade do cliente prestigia o prestador, a cidade, para atrair e satisfazer, tem que promover e prestar qualidade de conteúdos urbanos.
A qualidade da imagem da cidade ou a sua capacidade sedutora passa muito pelos edifícios de gaveto. Os gavetos constituem-se como pontos focais e nós de apoio conceptual de toda a cidade. O desprezo ou a indiferença por estes pontos significa perder ou não conseguir afirmar a originalidade diferenciadora da cidade. Quando se anulam gavetos pela ocupação de objectos indiferentes e ignorantes em relação à importância da sua posição, desligados do dever de liderança ao serviço dos valores qualitativos, distintivos e culturalmente dominantes, estão a apagar-se os faróis da cidade. A falta da capacidade comunicativa nos gavetos conduz, irremediavelmente, à monotonia, à indiferença, ao falhanço estético e ao apagamento da cidade.
Cidade sem nós estratégicos e pontos focais fortes, não é cidade, é apenas um amontoado desconexo, caótico e incoerente de construções e espaços vazios. Ou seja, é um aglomerado sem referências identitárias, sem força urbana, sem rumo e sem futuro.
A cidade não pode desperdiçar ou ignorar a importância da força da imagem e presença urbana dos seus gavetos. O empenho posto na força da forma dos gavetos da cidade diz muito da força da cidade e da cultura dos seus cidadãos. Os gavetos representam postos avançados de promoção e defesa dos valores identitários da cidade. Por isso, não podem ser desgraduados ou menorizados à estrita exploração das suas aptidões quantitativas. O mais importante num gaveto não pode ser a sua área ou o perímetro privativo, nem o seu número máximo de pisos, de fracções ou os usos. O mais importante nos gavetos da cidade é o seu dever como faróis.
A qualidade e as obrigações formais de um gaveto devem ser proporcionais à importância da sua posição focal. A sua importância requer formas de vocabulário arquitectónico que afirme clareza comunicacional e as referências culturais da cidade. Um edifício de gaveto não pode ser culturalmente neutro ou ignorante, nem pode ser indiferente ao lugar que ocupa. Como pontos imprescindíveis ao sucesso visual e cabendo-lhe intensificar a identidade e o carácter da cidade, os gavetos devem ser memoráveis e únicos em relação ao contexto. Uma cidade é um conjunto ordenado de lugares notáveis, significativos e inconfundíveis; os gavetos sãos os seus pontos de atenção maior para a aquisição da sua identidade e singularidade.
São poucos, mas há gavetos na cidade, como o que aparece na imagem, onde se soube perceber e assumir a importância do seu posto e missão ao serviço da construção da identidade e originalidade da cidade. Como neste caso, cuja singularidade merecerá destaque num futuro roteiro ou mapa de valores culturais da cidade, os gavetos estão obrigados ao dever da presença da sua força urbana.
O dever da presença da força dos gavetos na cidade não pode esperar pelo querer de qualquer poder político, próximo ou distante. Essa força está apenas dependente do querer dos cidadãos conscientes da importância da qualidade dos conteúdos e imagem da cidade na sua qualidade de vida e na garantia de uma cidade com futuro.
Adelino José Rosa Rodrigues