Faz frio. Mas depois de uns dias de aguaceiros,
Vibra uma intensa claridade crua.
De cócoras, em linha os calceteiros,
Com lentidão, terrosos e grosseiros,
Calçam de lado a lado a longa rua.
Cesário Verde
Está em vias de extinção ou mesmo extinta a tulipa da calçada dos passeios de Macedo.
A calçada dos passeios das ruas e praças da cidade estão mais extensas, renovadas e mais lisas, mas perderam a tulipa. Perderam a tulipa em troca de coisa nenhuma e assim perderam a singularidade em favor de vulgar neutralidade. A calçada portuguesa é uma marca da identidade de Portugal, a tulipa era a marca de identidade dos passeios de Macedo.
A flor nacional da Turquia, com haste esbelta e erecta, flor solitária de seis pétalas e grande riqueza cromática, tem o nome inspirado na palavra tulipan, significado de turbante, símbolo de distinção, dignidade e poder. Quando observamos os vestígios da antiga calçada dos passeios de Macedo não podemos deixar de sentir um leve halo da artisticidade duradoura da calçada das vilas e cidades romanas, onde a tulipa faz soprar uma ténue e misteriosa brisa árabe. Impressões que nos fazem suspeitar de algo que parece ligar o antigo cipreste, os arcos conopiais sobreviventes dos antigos edifícios da praça Agostinho Valente e a tulipa da calçada dos passeios.
A história da tulipa da calçada dos passeios de Macedo pode ser mais longa ou mais curta, ter maior ou menor carga simbólica, mas representa sempre um motivo de distinção e qualificação. Os passeios são os tapetes que estendemos aos visitantes da cidade pelo que o cuidado colocado na sua apresentação e tratamento faz a diferença e representa receber melhor. Quem é bem recebido deseja voltar.
A tulipa da calçada foi um valor distintivo da cidade e como tal merecedora de atenção e talentosa recriação em vez da indiferença que a condena ao apagamento dos passeios e da memória dos cidadãos. Negligenciar ou apagar os valores e as referências culturais da identidade da cidade em vez da sua activa recriação e actualização, enfraquece o espírito de cidadania e conduz ao apagamento do futuro da própria cidade.
Adelino José Rosa Rodrigues